sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Na Frondosa Árvore dos Dias Seguidos






Na frondosa árvore dos dias seguidos,
aproximo a camera do olhar
sobre uma folha.

Está presa em seu ramo.
Só estando preso
para sentir tanta segurança.
“Ser cativeiro é da natureza.
Soltar é perigoso e nos leva.”
(É o que dizem entre galhos)

Uso a lente do detalhe.
Sua textura em riscos.
Seu contorno verde
não exprime a seiva dolorída.
É lá que reside o elo.
No alimento e toque das extremidades.

A cada fruto novo
aquele sol molha,
aquela lua venta.
O corpo fica leve demais para existir.

Enquanto isso
pernas passam,
carros passam,
um mundo passa arrastando outro mundo que ainda vai nascer.
Até o passado estava ali, passando.

A folha quieta.
Liberta sonha.
Repousa no concreto.



quinta-feira, 13 de agosto de 2015





Fez a lista de compras
em meu caderno de poemas.

Como deixar passar:

Azeite,
sal,
amaciante

(precisava tanto de amaciante),

açúcar mascavo.

Sentimentos escorregavam
feito sabão em barra.

Não há nada de herói no “Super Mercado”.

Difícil estar aqui,
não pensar na compra do mês passado,
esquecida entre minhas folhas e rabiscos.

Agora freqüento prateleiras,
mas as promoções não são mais as mesmas.

O mercado é o mesmo,
a lista é diferente
e as necessidades sempre iguais.   


domingo, 7 de junho de 2015

O GOSTO


SEGALL


Há algo de doce
em teu gosto,
no teu brilho de açúcar cristal.
Tão doce
que,
sendo diabético morreria,
pois nunca deixaria 
o vício de desejar.

No corpo, na língua,
o doce do teu gosto é que
dissolve minha boca
e saliva pelos lábios.


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014



Miguel Rio Branco


A noite já comeu meu sono
e tudo que é você paira feito não sei o quê de seu nome.
Circula pela casa.

Seu nome presença irritante na sombra da parede.
Descascada parede descascando o nome.
Bate lá no fundo gotejando na pia, grave.
Da cozinha escuto-o no silêncio da sala,
bate a porta, abre a janela,
da sala passa o vento sussurrando seu nome no quarto,
pelo corredor ao meio, sem porta, passa
irritando a luz acesa do banheiro,
projetado nome feito presença na parede em sombra
e tudo é só o corredor,
a luz descascada,
a sombra irritada
e seu nome gotejando na parede.

A noite devora meu sono.


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

SE CONSELHO FOSSE MAU

George Grosz

“Se conselho fosse bom
nascia em pé,
de ouvido”.
(Lux)

Conselho sem pé nem cabeça
anda rebolando por aí.
Precipita-se na rua
e, capengando, exibe-se.
Mas anda disfarçado.

Alisa ouvidos carentes
de mimos falaciais.
Põe adjetivos no decote,
a consciência raspadinha
no bigodinho de Hitler.

Nunca foi e lá está.
Grande conselho…
tudo é possível com este
minguau de palavras.

Conselho metendo a cara
entre um programa
e outro de tv.
Suja meus dedos
ao folhear o jornal.

Conselho emporcalhando
o feed de notícias,
monopolizando mensagens.
Fede até na boca de amigos.
Devorador de cabeças.

Mas descansemos,
no fundo ele é bom.

Se conselho fosse mau
escolheria, por você,

o presidente do seu país. 


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

XII





Vaginas em Flor 
e um Cu em Botão.

Assim nomeei a tela que pintei esta tarde
em homenagem a Vera,
meu caso fortuito,
eterno em sua passagem.

Gosto,
e ela gosta,
de abrir minha mão em uma palmatória segura nas ancas de seu rebolado.
É de homem que ela gosta…
Enrolo seu cabelo e puxo minha fêmea efêmera
mordendo seus lóbulos macios.
Acaricio minha barba espinhenta em sua nuca crua
e ela, liquefeita em espuma,
dissolve-se pelo meu corpo, embabada.

Somos carnívoros
e somos feitos de carne.



domingo, 7 de setembro de 2014



O MUNDO QUE ALGARAVIAS

A boca imensa de Waly Salomão
alarga o mundo,
engole a palavra mundo,
devora o existir do mundo,
morde os contornos do mundo.

Este redondo giratório na mesa do nada,
rebatendo-se de um lado para outro
em sinuca sem caçapa.
Ou melhor:
dentro de uma grande,
infinita caçapa sem fim.

Garotas jogam sinuca
em um bar na Rua Bambina.
Bambinas que jogam
e olham para mim.
Tocam.
Giram na mesa da eterna partida.

Na eterna chegada,
Waly Salomão é uma ilha na memória
com sua boca dentada de letras,
dotada de mundos.

Algaravias meu amor,
Algaravias...

As Bambinas olham,
dão risadas,
"plurificam" a “ferocidade da mente”
“sexualizando a fala”.
Jogada que mata a bola 8 do desejo,
a grande tacada.

Boca que desbocou a minha,
sou só a fome,
ajudai-me.

Quero morder
a carne viva do poema.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

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Essam Marouf


Seus olhos são lindos
e nunca serão outra coisa.
Seus olhos:
coisa que é coisa,
sem coisa,
só cor
que em cor se define.
A cor que lá fora é azul madrugada
e cá dentro é negro espera.
Um olhar cheio de etcs
na íris da noite.

Eu, agora,
a rabiscar seus olhos,
não consigo.
Eles fogem no entre ponto
                   das reticências... 


domingo, 22 de junho de 2014

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Há uma dificuldade
em conciliar palavra com gesto.
O resto que fica
é o que se entende por detrás
da máscara da expressão.

A mão que indaga,
o olhar que responde,
o encolher-se que afasta,
o repelir que deseja pele,
tudo em palavras perde o gosto.

Felizes daqueles
que sabem temperar
com a delícia do gesto,
o sabor da palavra.

sábado, 5 de abril de 2014

PATUÁ TORTO

 

Xul Solar



Na natureza nada se cria,
tudo se transtorna.
O problema é ficar contando
com a galinha no cú do ovo,
pois pau que nasce torto
não carrega patuá.
Deus não dá dente a passarinho.
Assim diziam:
“nossa visão é que é torta,
não suas linhas”.
Eis o fio da faca de dois azedumes,
eis o infiel da balança.

Assim me contaram a História:
Agora Inez era viva
e todas as bocas levavam à fome.
Quando ela viu a escuridão
no fim do tonel,
não acreditou na bruxas
que eram reais.
Elas traziam a verdade
que está na cachaça.

Quando a esmola é muita
o santo acha graça,
porque o paraíso está cheio
de más intenções
e o sentido do dito
é no ouvido que se forma,
na palavra que transforma
e suas ações.

domingo, 16 de março de 2014

O POETA DA MANIFESTE O CÃO

                                                                                                   

 Basquiat





Quem será o Poeta
da Manifeste o Cão?

Um block? Um Black?
Um partido por suas ideias?
Um corrompido por suas telas?
Um explodido por sua ignorância?

De onde virá o Poeta
da Manifeste o Cão?

De Madureira ou do Leblon?
Dos colégios santos
ou dos santos de terreiro?
Da periferia da Zona Sul?

O que falará o Poeta
Da Manifeste o Cão?

Do preço abusivo de tudo,
nesta terra descoberta por estrangeiros?

Tocará Sininhos
falando sobre rolezinhos,
que prejudicam as compras dominicais?

Da vida dura
ou da paz mole
soprada nos coqueirais de Copa?

Da Copa
e sua tocha queimando o povo?

Falará do povo,
sem o povo e para o povo?
E sobre o povo
definirá a palavra povo? 
O que será?

Para quem falará o Poeta
da Manifeste o Cão?

Para todos.
Sempre para todos.

E sua morte será a praça
em silêncio.

Com isto,
seu corpo estará visível,
dependurado na rua esvaziada.  

sexta-feira, 14 de março de 2014

Poema de Carnaval Bobinho


Essam Marouf



Eras Colombina de outras eras
e eu Pirata desalmado.
Quando fui Nero incendiado
viestes de sereia com toda água do mar.
Caístes do Céu feito um Anjo
quando cheguei de Maria Madalena.
Rodopiavas de Cisne Negro
enquanto eu caçava na África.
Tu de Santa
eu, Padre Libertino.   
Pulei de Macaco
eras maldosa cientista.
Quando vim de Amarildo
tu, polícia armada.
Eu Black Bloc Terrorista Anonymo,
tu caminhavas de Gandhi Pacifista.
Eu vestido de Povo
eras a Taça da Copa.
Vim de Gari
 e tu sujavas tudo mascarada de Eduardo Paes.

Ah...
Chega.
Não quero mais.

A melhor fantasia
é sem roupa
que a gente faz.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Líquido Fruto II

Jonathan Burton








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Tua boca,
carne de palavra dita.
A dita cuja,
aberta
na folha de teu rosto.

Escrita dentada
e molhada
é a tua boca.

Vários sentidos
de vocabulário bilíngue,
comprendido por partes:

Nas artes em detalhe,
no radical,
no hiato do entre lábios.

Tua boca tatuando a escrita
por meu corpo inteiro.
A palavra mordida
e sua saliva,
a tinta e o tinteiro.